O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a associar seu nome a feitos grandiosos e quase divinos em sua mais recente visita ao sertão nordestino. Ao afirmar que é um “enviado de Deus” para levar água ao povo do semiárido, Lula acendeu novamente a chama do messianismo político que marcou boa parte de sua trajetória. Dessa vez, porém, a resposta veio à altura: o jornal O Estado de S. Paulo não economizou palavras e classificou o discurso do presidente como uma encenação populista, chamando-o de “profeta de araque”.
No editorial publicado na segunda-feira (2), o Estadão não apenas ironizou a retórica do petista, mas também apontou uma tentativa de reverter a queda de popularidade de seu terceiro mandato. A crítica foi direta: Lula estaria substituindo a prática de governar por atos performáticos, recorrendo a discursos religiosos como ferramenta para mobilizar a emoção do eleitorado em detrimento de soluções concretas.
Ao longo deste artigo, vamos analisar o conteúdo da fala presidencial, o editorial do Estadão e o cenário político que dá e a essa troca de farpas. Ao conectar dados, contexto histórico e observações estratégicas, propomos uma leitura crítica sobre os limites entre fé, política e propaganda institucional. Acompanhe com atenção e tire suas próprias conclusões sobre o real impacto desse discurso no Brasil de hoje.
A fala de Lula no sertão
Durante uma visita ao sertão nordestino, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a utilizar um de seus recursos mais antigos: o discurso carregado de simbolismo religioso. Ao declarar que “foi enviado por Deus para levar água ao povo do sertão”, Lula ecoou uma retórica que o acompanha desde os anos 1980, quando começou a se consolidar como o “pai dos pobres” e uma figura quase mística no imaginário popular brasileiro. Mas desta vez, o cenário é outro — e a repercussão também.
A fala, feita diante de uma plateia composta por militantes e moradores “escolhidos a dedo”, segundo o editorial do Estadão, foi parte de uma cerimônia para anunciar avanços em obras hídricas há muito prometidas. No entanto, a maneira como Lula estruturou sua mensagem não foi meramente istrativa ou técnica — foi uma performance. Ele se colocou no centro da narrativa, dizendo que a água, esperada há 179 anos, só chegaria porque ele havia sido eleito.
Essa personalização extrema do feito público, além de ignorar o histórico de envolvimento de outros governos na obra, transforma uma entrega de infraestrutura em um ato quase sobrenatural. Lula, mais uma vez, utilizou expressões como “milagre” e invocou “Deus” para dar contornos épicos ao evento. O uso estratégico desses termos religiosos não é gratuito: apela diretamente ao emocional do eleitorado mais pobre, que muitas vezes associa fé e esperança às figuras políticas que dizem representá-los.
A resposta do Estadão
A resposta veio em tom ácido e bem articulado: no editorial publicado na edição de segunda-feira (2), o jornal O Estado de S. Paulo classificou a fala de Lula como um espetáculo populista, chamando-o de “profeta de araque” e acusando-o de instrumentalizar a fé com fins eleitoreiros. Para o jornal, a encenação messiânica feita no sertão não a de uma tentativa desesperada de contornar a crescente impopularidade de seu governo, que, segundo o próprio editorial, é marcado por “mediocridade” e “inércia istrativa”.
O texto vai além da crítica pontual ao discurso e tece considerações mais amplas sobre a estratégia lulopetista. “Água é vida, mas no mundo de Lula da Silva, água é, acima de tudo, voto”, diz um dos trechos mais duros. O Estadão acusa o presidente de se colocar como o único capaz de resolver problemas históricos do Brasil, ignorando décadas de avanços institucionais e o trabalho de governos anteriores. Para o jornal, essa postura não é apenas arrogante — é perigosa.
A crítica se intensifica quando o editorial sugere que Lula, “engolfado pela incompetência do seu governo”, só lhe resta o palanque como alternativa. “Como não governa, faz comícios, caçando votos antes da hora e posando de messias”, escreveu o Estadão, em tom cortante. A análise é clara: a retórica de redenção não corresponde à prática de governo, que enfrenta dificuldades visíveis em diversas áreas, da economia à segurança pública. A tentativa de desviar o foco com narrativas emocionais, segundo o jornal, é um recurso já conhecido — e gasto.
A relação entre fé e política
O uso da fé e da religiosidade como instrumento político não é novidade no Brasil, um país marcado por uma população amplamente devota e culturalmente permeada por símbolos religiosos. O que chama a atenção no discurso do presidente Lula é a recorrência e o peso estratégico dessas referências, que ultraam o simples apelo emocional para se tornarem uma verdadeira arma eleitoral.
Como destacou o editorial do Estadão, o presidente chegou a citar as palavras “Deus” e “milagre” dezenas de vezes em viagens recentes, reforçando a ideia de que seu governo opera no “terreno do mistério” — algo que, segundo o jornal, contrasta com a necessidade de explicações racionais e concretas em um cenário de desafios nacionais. Essa narrativa cria um ambiente no qual as críticas se tornam blasfêmias e a oposição é demonizada, configurando uma lógica maniqueísta.
Tal estratégia tem o duplo efeito de solidificar uma base fiel, que enxerga o presidente como um “pai dos pobres” quase messiânico, e de criar um inimigo comum, que, para Lula, é a direita representada por Jair Bolsonaro e seus apoiadores. A polarização religiosa e política assim armada reforça o ciclo eleitoral, transformando a fé em moeda política e a política em uma espécie de seita.
Populismo e estratégia eleitoral
O discurso religioso e messiânico adotado por Lula não pode ser dissociado de uma estratégia política cuidadosamente arquitetada para o ciclo eleitoral que se aproxima. Ao se colocar como um “profeta” e “redentor”, o presidente busca criar uma conexão emocional intensa com os eleitores, especialmente aqueles mais vulneráveis economicamente, que historicamente compõem sua base de apoio.
Essa construção populista, que mistura fé e política, serve para reforçar a imagem de Lula como o único capaz de “salvar” o país, minimizando as críticas e os problemas reais que seu governo enfrenta. A dramatização das obras no sertão, por exemplo, transforma ações istrativas em “milagres” e apresenta a entrega de infraestrutura básica como um ato de graça divina, o que pode mascarar a complexidade e os desafios do desenvolvimento regional.
O desgaste do terceiro mandato
O editorial do Estadão não poupa críticas ao atual mandato de Lula, apontando uma série de indicadores que evidenciam o desgaste político do presidente. Diferentemente dos dois mandatos anteriores, marcados por crescimento econômico e redução da pobreza, este terceiro ciclo enfrenta uma crescente impopularidade, inclusive entre setores tradicionais de sua base, como a população nordestina e os mais pobres.
Diversos levantamentos apontam para uma queda na aprovação do governo, consequência de problemas econômicos, alta inflação, crise na segurança pública e dificuldades na gestão istrativa. O jornal destaca que, apesar das iniciativas como o aumento do crédito e subsídios para itens básicos, essas medidas são vistas por muitos como paliativas e insuficientes diante dos desafios estruturais do país.
Neste cenário, o discurso religioso e populista emerge como uma tentativa de compensar a falta de resultados concretos e virar o jogo eleitoral. No entanto, para o Estadão, essa estratégia só reforça a percepção de incompetência e de um governo que “faz água” em várias frentes, colocando em xeque a capacidade do presidente de istrar e governar efetivamente.
A construção do inimigo
Um elemento central na retórica política de Lula, conforme destacado pelo editorial do Estadão, é a criação e manutenção de um inimigo claro e palpável: a direita, especialmente os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Essa estratégia de antagonismo político serve para consolidar um sentimento de unidade e coesão dentro da base lulista, que se vê protegida e representada contra uma ameaça externa.
O jornal chama atenção para o fato de que, na visão do presidente, “Deus só existe porque o diabo também existe”, o que explica a necessidade de se demonizar o adversário para reforçar a própria posição de salvador. Essa dicotomia simplifica a complexidade política, reduzindo o debate democrático a uma batalha entre o bem e o mal, entre “nós” e “eles”.
Embora essa tática seja comum em campanhas eleitorais, o perigo está em sua potencialidade de aprofundar divisões sociais e políticas, dificultando consensos e o diálogo necessário para o avanço do país. A perpetuação do antagonismo torna o ambiente político mais hostil e menos produtivo, ao mesmo tempo em que alimenta uma narrativa que pouco contribui para a resolução dos problemas reais enfrentados pela população.
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